TJBA - DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO - Nº 3.200 - Disponibilização: terça-feira, 18 de outubro de 2022
Cad 2/ Página 2326
Despacho, ID 191054706, intimando as partes para se manifestarem sobre o eventual interesse na realização de acordo, sobrevindo, no ID 195330429, petição da ré informando inexistir interesse em realização de acordo.
É o breve relatório.
Passo à decisão.
Trata-se de ação indenizatória c/c obrigação de fazer com pedido liminar movida por MARIO AUGUSTO ALBIANI ALVES em face
de SULAMÉRICA SAÚDE S.A., em que a parte autora alega recusa da ré no sentido de autorizar o tratamento de que necessita
e, por conseguinte, pleiteia pela procedência da ação, com a consequente condenação da ré em custas processuais e honorários
advocatícios.
Com efeito, os elementos de convicção oriundos da prova documental lançada nos autos pela parte autora levam à procedência
desta ação. Assim, conclui-se da narrativa da inicial que a parte autora não obteve autorização da ré, de quem era seguradora
em plano de saúde, para realizar o tratamento médico de que necessitava com urgência.
A situação em exame retrata uma relação consumerista e, nesses casos, não se tem dúvida que quando se formula contrato de
assistência privada à saúde as partes entabulam um negócio no qual vem previstas as situações que compreendem a cobertura
do plano de assistência à saúde, no que, aliás, deve atender ao que dispõe a Lei geral sobre os planos e seguros privados de
assistência à saúde, que é a Lei nº 9.656/98, a qual, por sua vez, atende aos princípios e garantias constitucionais relativos à
saúde e à sua assistência.
Sabe-se que constituem cláusulas abusivas e, portanto ofensivas ao direito do consumidor, aquela que “estabeleçam obrigações
iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.” (ex vi art. 51, IV do CC), porquanto se sabe que ao contratar o plano de saúde se pretende a cobertura integral, mesmo
porque a autora sendo titular do plano confia que o plano lhe dará a cobertura contratada e paga por ela.
Vale dizer que, nessas circunstâncias, o consumidor entende que terá a cobertura integral, pois tal garantia de cobertura é o que
ele, consumidor, tem em mira ao contratar, daí porque o que fugir disso passa a ser contrafação do objetivo e resvala para a
abusividade, por contrariar aquela vinculação estabelecida em lei e/ou violar o paradigma de respeito, de cuidado, de equilíbrio,
que integra a boa fé objetiva que, obrigatoriamente, deve presidir as relações de consumo. A violação desse paradigma é que vai
causar um desequilíbrio, decorrendo em prejuízo concreto aos consumidores.
É claro que as partes hão de cumprir o contrato, sem dúvida, mas hão de se subordinar, primeiro, à vontade da lei, que é a
expressão da vontade social, e cumprir, antes, o que nela vier determinado. E em matéria de relações de consumo, a lei impõe
princípios fundamentais a serem obrigatoriamente observados, de modo que, se o teor do contrato carregar algo em dissonância
da vontade legal, prevalece o que a lei determina, e não a vontade contratual.
Assim, adotando entendimento doutrinário e jurisprudencial predominante, considero que os contratos nas relações de consumo, principalmente os de adesão, como é o aqui tratado, não podem ser considerados como um assunto do interesse restrito e
exclusivo das partes, eis que são do interesse de todos, tendo em vista que todos estão potencialmente expostos a se sujeitar a
eles. Assumem, então, uma feição coletiva que interessa à sociedade controlar, o que fica bem claro em face da relevância pública dos serviços de saúde e do objetivo constitucional de construção de uma sociedade livre, justa, e solidária. Há, então, uma
indisponibilidade do objeto do contrato que envolve assistência à saúde, ou seja, as partes não podem transacionar livremente
com a mesma desenvoltura com que fariam se o objeto fosse um produto comercial qualquer.
Enfim, a conduta da ré deve encontrar respaldo nos princípios e direitos assegurados ao consumidor, cujo diapasão impõe
cumprimento de regras expressas em proteção à relação contratual e estabelece como nulas de pleno direito cláusulas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade, visando com isso coibir
estipulações que lesem a seu direito, mesmo porque, o fato de se tratar de contrato de adesão, onde não admite discussão pelo
consumidor das cláusulas impostas, não quer dizer que o consumidor lesado não possa se valer dos meios judiciais para que
se restabeleça o equilíbrio contratual.
Portanto, a não autorização do tratamento indicado pelo médico que assiste a parte autora ditada pela empresa ré, não deve
prevalecer por ser abusiva, sob pena de se permitir que a regra de ordem pública e o próprio sistema de defesa do consumidor
verguem em razão da convenção privada.
Nesta senda, havendo cláusula abusiva, mister a declaração judicial de sua nulidade, modificando-se o contrato nesse particular
para adequá-lo ao estabelecido em lei. Neste sentido reza o CDC em seu art. 6º, quando trata dos direitos básicos do consumidor, in verbis: “....a proteção contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços, como
também a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de
fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”. (vide incisos IV e V.)
In casu, há o direito de alteração contratual visando afastar o abuso ofensivo, já que se está diante de cláusula contratual que
estabelece disposição em desacordo com direito básico do consumidor, se apresentando com caráter desproporcional a infligir
ônus maior ao usuário que tem direito garantido por lei à contraprestação pelo que contratou, ou seja, a total assistência à sua
saúde e, ante a vulnerabilidade do consumidor, permite-se a intervenção judicial para que o julgador possa restabelecer o equilíbrio contratual, garantindo com isso a manutenção do contrato e assegurando a plena assistência à sua saúde.
Em suma, não pode haver cláusula contratual restritiva de direito, tanto mais que cause dano ao contratante e por conseqüência
atinja o equilíbrio contratual, aliás, o CDC em proteção à relação contratual estabelece como nulas de pleno direito cláusulas
que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. E, vantagem
exagerada é aquela que “restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de modo a ameaçar